"Sete autores.
Sete livros.
Uma história."
Sinopse: O anjo caído Samael está reunindo um exército composto
de criaturas sobrenaturais. Os anjos tentarão impedi-lo. Mas descobrirão
que o único sentimento mais forte que a vingança é o amor...
Capítulo 3
Eu podia sentir o seu medo. O seu chamado silencioso ecoando
em minha mente enquanto eu disparava à sua procura, com todos os meus sentidos vampirescos
em alerta. Algo estava errado, muito errado. E tudo o que conseguia pensar naquele
momento era em Ceci. Em protegê-la. Nem mesmo meu amor por Aaron conseguia suplantar
o desejo de encontrar e salvar aquela criança.
À minha volta, o silêncio era ainda mais assustador. E enquanto
eu corria em direção aos quartos das crianças, tentava absorver o máximo de
informações possíveis na esperança de descobrir o que estava acontecendo. Porém,
os únicos cheiros que captava com meus sentidos aguçados eram ainda os mesmos
de antes. Não obstante, havia algo mais, eu também podia sentir um terrível e
conhecido odor se espalhando pelo ar, empesteando-o... O horrível cheiro da
morte.
— Ceci! — sussurrei, ao entrar em seu quarto. Temendo que se
falasse seu nome alto demais, pudesse colocá-la em perigo.
As luzes estavam apagadas e sua cama encontrava-se revirada
e vazia. E ao ver aquela cena, senti como se dedos gelados e implacáveis estivessem
se fechando em torno do meu coração. Um calafrio percorrera minha espinha.
Desesperada e atordoada, eu direciono minha atenção para o guarda roupas e
corro até ele, apreensiva. E sem pensar duas vezes, rapidamente abro as portas.
A menina salta em meus braços, assustada e tremendo de medo.
— O que foi? O que aconteceu? — eu pergunto, erguendo-a em
meu colo, mas ela nada diz. Estava em total estado de pânico. — O que foi? — eu
volto a perguntar.
Mas Ceci estava assustada demais e chorava sem parar. Ela tentara
falar, mas não conseguira; as palavras lhe escapavam da boca, embaralhadas e
sem sentido.
— Shhh! — eu lhe fiz
sinal para que se acalmasse e a embalei em meus braços tentando reconfortá-la.
Porém ao invés disso, eu a vi arregalar seus enormes olhos verdes, e escancarar
sua boca, aterrorizada.
— E-eles estão... — ela tenta me alertar.
Algo estava vindo nos pegar. Eu pressenti o perigo às nossas
costas, e todo o meu corpo se inundara de adrenalina, à medida que meu sistema
nervoso se preparava para reagir. Meu coração começou a martelar contra meu
peito; tão forte que eu podia ouvir o meu sangue pulsando em minhas têmporas. Eu
precisava salvar Ceci, ela era tudo o que importava naquele momento. Daria a
minha vida se preciso fosse para salvá-la. Se ao menos Aaron estivesse ali para
me ajudar. Se ao menos eu tivesse lhe avisado que sairia à procura de Ceci, ao
invés de deixá-lo desacordado no motel onde nos instalamos, quem sabe agora ele
estivesse ao meu lado, protegendo nós duas: eu e essa linda e indefesa
garotinha. Mas, ao invés disso, ali estava eu em um dos quartos do abrigo do
Padre Miguel com Ceci em meus braços apavorada, e me preparando para enfrentar
a presença terrivelmente ameaçadora que se aproximava. Agora não havia mais
como voltar atrás, era lutar ou morrer. E eu escolhi lutar. Lutar para salvar
Ceci e, principalmente, para voltar para Aaron. Então, resoluta e cheia de
coragem, eu me viro com Ceci em meus braços, e encaro nosso destino.
Eu acordei molhada de suor e o silêncio me acolhera. Fora um
pesadelo então? Ceci estava bem, afinal. Que
alívio, eu pensei, respirando fundo para recobrar o fôlego.
Eu me levanto e deixo o meu quarto. Toda a Casa das Tochas jaz em um silêncio
inquietante, da mesma forma que antes. Apenas barulhos ocasionais de louça,
oriundos da cozinha, chegam aos meus ouvidos. Mas, fora isso, o silêncio impera
incólume em toda a residência; perturbador e asfixiante.
Aaron me deixara sozinha e saíra com Nestor e os outros
vampiros, na esperança de descobrir o que Stéfano e seus comparsas estavam
tramando. E eu fiquei para proteger Ceci e me recuperar dos traumas recentes
que sofri quando saí em busca de resgatar a menina. Mas valeu a pena, faria
tudo de novo, se assim fosse preciso. Apesar de todos os riscos e de quase ter
matado a nós duas.
Enquanto caminhava pela casa, fui, aos poucos, me dando
conta de que não estava mais na Casa das
Tochas, e sim na Casa de Campo — a luxuosa e alternativa morada de Aaron e
seu covil de vampiros. Uma terrível angústia se apoderara de todo o meu ser
quando pensei no quanto aquela residência significava para ele. No quanto ele
gostava de morar lá. E então, repentinamente e sem que fossem convidadas,
lágrimas começaram a brotar em meus olhos e escorreram quentes, sobre minhas
bochechas. E eu ainda tentava afastá-las quando ouvi um súbito farfalhar
semelhante ao bater das asas de uma ave. Porém, muito mais intenso, como se
oriundo de enormes ou gigantescas asas. O que me deixou intrigada.
O som da campainha tocando obrigou-me a me recobrar do meu torpor
e eu direcionei minha atenção à porta, para onde me encaminhei a fim de
descobrir quem era o nosso convidado. E qual não foi a minha surpresa ao ver
que se tratava de um homem alto, de cabelos e olhos escuros, penetrantes, e
semblante austero.
— Pois não — disse, erguendo uma sobrancelha para ele —,
posso ajudá-lo?
— Eu posso entrar?
— Claro — assenti, relutante, enquanto me afastava para que
ele entrasse. — Por favor.
— Obrigado — ele responde já se encaminhando para dentro da
sala. Porém, ao passar por mim, eu senti uma vibração percorrer todo o meu
sistema nervoso. Um instinto tão primitivo quanto o próprio tempo se ativara, fazendo
um arrepio de frio percorrer a minha espinha e eriçar meus pelos.
Havia algo muito errado com aquele homem, ou aquela
criatura. Pois, fosse ele o que fosse, de uma coisa eu tinha certeza: ele não era
humano. Como eu logo descobriria.
— Então, quer tomar alguma coisa, uma água, um café talvez.
— Ruby... — ele dissera, sorrindo com um canto da boca. — Eu
sei que você já sacou que eu não sou humano, então, acho que podemos pular essa
parte.
Eu senti o sangue subindo através de meu pescoço e minhas
bochechas se aquecendo. Além de um completo estranho, nosso visitante era
também, muito ousado.
— Certo — disse —,
nesse caso, quem é você e o que veio fazer aqui?
— Eu vou ser curto e grosso, Ruby — ele respondeu. — O meu
nome é Samael e eu vim para falar com o seu líder, o Aaron. Será que você pode
me fazer o favor de ir chamá-lo?
Surpresa, eu aperto os meus olhos para ele, e então
respondo: — Você vem até a minha casa e acha que pode me dar ordens? Eu ao
menos te conheço? Por que, sinceramente, eu não me lembro de já tê-lo visto
antes.
Ele sorri provocadoramente e responde: — Será por que nós
nunca fomos apresentados?
— Agora chega, sai da minha casa agora, antes que eu perca a
minha paciência. E querido... Acredite em mim quando eu digo — sinto minhas
feições tornando-se ameaçadoras, a besta dentro de mim ansiando por emergir, e
falo pausadamente: — você não vai querer me ver brava.
Em resposta, Samael gargalha debochadamente e se aproxima de
mim.
— Ok, Ruby. Foi um prazer falar com você... Brincar com
você. Agora, será que pode me chamar o seu líder? Minha conversa só diz
respeito a ele.
Eu senti o sangue me subindo novamente, a raiva aumentando.
— O Aaron não está em casa. Seja lá o que for que tem pra
falar com ele, pode tratar comigo mesma.
Samael gargalha novamente com escárnio.
— Com você?
— Qual é a graça? Você não tem educação não? Seus pais não
te ensinaram a ter respeito pelas pessoas?
Em resposta, o semblante dele se obscurece e duas imensas
asas cinzentas emergem em suas costas.
— Ruby, você não faz a menor ideia das forças que estão em
movimento nesse momento no tabuleiro. Então, como disse, eu não vou perder o
meu tempo discutindo assuntos, ou coisas de extrema importância, com você.
O anjo caído me vira as costas e afasta-se em direção à
saída.
— Eu não serei ignorada dessa maneira! — bradei, e usando
minha velocidade vampiresca atravesso na frente do anjo. — Você vai falar
comigo de qualquer maneira agora.
— Saia da minha frente!
— Não!
— Não me obrigue a forçá-la — avisa ele, seus lábios
comprimindo-se para formar apenas uma linha levemente avermelhada.
— Eu já fui considerada uma rainha, não serei humilhada
dessa forma!
— Você se acha realmente especial, não é? — ele caçoa. —
Deve ser por conta desse seu sangue amaldiçoado que corre em suas veias e que
permite que um monstro como você perambule por aí em pleno dia.
Quando dera por mim, meu punho já o havia arremessado para
longe, pegando-o de surpresa.
— Sua vadia! — exclama ele —, como você ousa? — seu rosto
tornara-se uma máscara obscura.
O anjo partira para cima de mim, mas eu rapidamente desviei
de seus ataques. Seus socos encontravam apenas as paredes e o assoalho, o que fora
aos poucos, destruindo toda a mobília da sala e os quadros que até ainda pouco,
ornamentavam as paredes da sala.
— Não pode me pegar — eu provoquei —, mas eu sim. — eu
rapidamente me posicionei atrás dele e agarrei suas asas, impedindo-o de voar.
— Há, acha que basta isso para me conter? — ele interroga —
Eu era um comandante celestial, sua rameira.
Meus sentidos ainda tentaram me alertar, porém já era tarde
demais. Poderosas rajadas de energia se dispersaram do corpo do anjo e me atingiram,
não uma, mais várias, centenas de vezes, enquanto meu corpo era projetado para
longe, só se detendo ao se chocar contra o teto para, em seguida, se
esborrachar no chão.
— Nunca mais ouse me desafiar novamente vampira, ou então,
eu não serei tão misericordioso quanto hoje — ele me alerta.
— Não! — eu exclamei, furiosa —, eu nunca mais o desafiarei
novamente... — pois eu vou matá-lo! — Novamente eu me lancei contra o
ex-celestial e novamente fui barrada em pleno ar.
Energias incandescentes crepitavam de seus dedos, paralisando
todos os meus músculos, e impedindo que eu me movesse. Não conseguia pensar
direito também, pois havia a voz... A voz dele estava dentro de minha cabeça,
me sussurrando coisas, relatando terríveis verdades primitivas que ninguém
deveria ter ciência, pois estavam além do conhecimento humano, bem como do meu.
Subitamente, enquanto o anjo me torturava, uma corrente de
ar gelada começou a circular ao nosso redor. Sua força foi gradativamente
aumentando e o anjo desviou sua atenção de mim para se voltar para uma
garotinha que se aproximava de nós com os braços levemente erguidos ao lado do
corpo e recitando palavras, preces em uma língua que eu jamais havia ouvido
antes. E seus olhos... Os olhos dela brilhavam, incandescentes em meio ao
transe. O que Ceci estava fazendo?
— Ceci não... — eu gritei para ela, em alerta — Saia daqui
agora.
A menina não me ouviu e continuou falando no mesmo dialeto
estranho, detendo-se a alguns metros de mim, que ainda estava sob a influência
de Samael.
— Sai da minha cabeça, bruxa! — eu ouvi o anjo gritar pra
Ceci.
Ao invés disso, ela erguera os braços e a ventania se
transformou em um ciclone no meio da sala, arrastando tudo em seu caminho,
relâmpagos atravessaram o corpo de Samael e ele gritou em agonia, finalmente me
soltando.
— Ceci, pare! — eu gritei novamente, tentando despertá-la do
transe. Contudo, ela mantivera seu ataque, os olhos ardendo em uma fúria
desmedida, vidrados.
Samael continuava gritando, seu corpo se transformando em um
facho de luz, que aos poucos foi se desintegrando, até desaparecer em meio a um
clarão luminoso. Só então os olhos de Ceci se apagaram e seu corpo diminuto caíra
ao chão, desfalecido. Eu corri até ela e a peguei em meus braços.
— Ceci — disse —, acorda!
Com esforço, ela abre seus imensos olhos verdes para me
encarar, como se acordando de um sonho.
— Agora estamos quites — ela diz com sua voz infantil.
— Quites?
— É, você me salvou dos homens maus e agora eu salvei você daquele
demônio.
— Como você fez aquilo? Poderia ter morrido.
— Eu precisava salvar você, então entrei na mente dele e
conjurei aquele encantamento. Estava tudo lá, na cabeça dele.
— Nunca mais faça isso de novo, está me ouvindo? Nunca mais.
Ela nada dissera, apenas me abraçara com força. E naquela
hora, só Deus poderia saber o quanto isso bastava. Eu mais uma vez agira por
impulso e coloquei não apenas a minha, mas também a vida dela em perigo. E, por
motivos desconhecidos, quis o destino que fosse a própria Ceci a salvar nossas
vidas dessa vez. Aaron logo mais chegaria e eu muito teria que explicar a ele,
bem como enfrentar a desconfiança e o repúdio de Nestor também. Mas, em face do
que acabara de acontecer, eu consideraria isso um bônus; uma punição por
novamente me deixar levar pela raiva e não pela razão. Afinal, o que poderia o
ancião e mentor de meu amado fazer, que eu já não tivesse lidado antes?
Perdeu os dois primeiros capítulos? Confira aqui:
Capítulo 1: http://elainevelasco.blogspot.com.br/2013/05/conto-do-fantastiverso.html
Capítulo 2: http://elainevelasco.blogspot.com.br/2013/05/capitulo-2-do-conto-do-fantastiverso.html
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